sábado, 2 de agosto de 2025

Luto(s)

Gentes em luto,

em cura,

em surto.

Logo eu — pronta a suportar,

a oferecer um ombro, um abraço, uma escuta,

a me desdobrar —

precisei, eu mesma,

recalcular:

o tempo,

o espaço,

o ser.

Urge a vida a se mover.

Calo,

e o silêncio ecoa

em paredes tão próprias

e já definidas.

Quisera eu assim.

Mas nada é para sempre —

nem as paredes.

Calo,

e o silêncio reverbera.

Já não há mais paredes.

Há algo orgânico,

amorfo,

assíncrono.

Há passado,

presente,

desejo —

um relicário que carrego

pra não esquecer.

Mas, para ser,

há de se morrer mil vezes.

Desreconhecer.

Luto(s): do outro, de si, do status quo.

— Lou Vilela



sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Um tempo novo


fala-se do tempo que virá
quando o passado ainda não passou
um tempo novo, embalado, comprimido

plástico bolha
e todas as mãos ávidas

Lou Vilela

domingo, 24 de março de 2024

Casas


Ruínas do Mosteiro de São Bento - Maragogi.
Imagem: Arcevo pessoal.



Sem alma
as casas são iguais
: nada dizem.

Sem alma
as casas alimentam
as ruínas do tempo.

Até os fantasmas se mudam
quando não há espanto!

Lou Vilela



terça-feira, 19 de março de 2024

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Ciclo das águas


mergulhar os pés
de mansinho
tocar a alma
não desisitr
chover o mundo

Lou Vilela


* 📷 arquivo pessoal 

.


sexta-feira, 18 de junho de 2021

Desiguais

na linha imagética do horizonte
o futuro é a carne que poucos consomem
e muitos choram no sepultar

Lou Vilela


terça-feira, 15 de junho de 2021

Mergulho



não repare nessa timidez 
de tempos em tempos, até parece 
desenvolta
se mostra 
sobre as coisas
e morre mil vezes 
submersa

Lou Vilela
.

📷 arquivo pessoal 

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

A casa somos nós

                    À Tarcimá, em memória


Na casa havia aquela presença ilustre 

referência e elo com o passado 

de histórias e lutas


Na casa há o respeito e as lembranças

de uma mulher que desconheceu

a própria força e seus milagres


Lou Vilela 

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Jardins

                    À Alaide, em memória


tínhamos em comum o amor

pelas crias, plantas e tais

ainda ouvi seus pesares pelo maio

que me ceifou uma flor

mal sabia que seriam duas


Lou Vilela

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Alquimia

aqui, a poesia possivel

tem aromas, sabores, texturas, especiarias

assim alimentam-se as horas

escapo de ser devorada


Lou Vilela

domingo, 4 de outubro de 2020

A_Deus

existe o silêncio, a tristeza, uma ausência

a resistência, o não entender

as mãos em prece

para sorrir


Lou Vilela

sábado, 3 de outubro de 2020

Ela

                       À Rose, em seu aniversário


como elos e corrente

selamos no amor

toda uma existência

para não nos perder

para ungir recomeços

para inaugurar primaveras.


Lou Vilela

sábado, 2 de novembro de 2019

Desmesura

pensar que tudo é espanto
sabor, arrepio
um belo tacho de bronze
azeitado
flor de sal
uma mão nem sempre apta

Lou Vilela

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Lúdico

cuidou de bonecas
fez comidinhas
construiu, montou casinhas
advogou suas questões
[se] convenceu
presidiu
mandou a discriminação às favas

Lou Vilela

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Encantada

nascera assim
: pra casar

mas faltava um príncipe
e foi feliz para sempre!

Lou Vilela

quarta-feira, 27 de março de 2019

Agulhas e linhas

nada entendia de tramas
toda ferida doía
quando ousava remendá-la
mas era o jeito possível
de sobreviver

Lou Vilela

quarta-feira, 6 de março de 2019

Vidas que insistem

escrevi algumas dores
frágeis construções da alma
são tantos os abismos
[im]possíveis

alguns silêncios de algibeira
a flacidez moldável
da ética e da moral
a fome e o prato social

famílias empanadas
empenados horizontes
perdidos, achados
laudas sem fim

mas sempre há um ponto
onde o ar é mansuetude
e a pausa permite-se

Lou Vilela


segunda-feira, 4 de março de 2019

Femininas e plurais

não a conheço
mas ando de mãos dadas
com seus medos e anseios
o que nos torna íntimas

não a conheço
mas provo do descrédito, da violência
das ausências, dos porões
o que nos torna vítimas

não a conheço
mas assim como você
sou confrontada todos os dias

e jogo o jogo de equilibrar
o sangue entre as pernas

Lou Vilela

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Trabalho delicado

preparava café, labirintos
semeava flores e alma
em terreno arenoso
às vezes brotava

Lou Vilela

terça-feira, 12 de junho de 2018

Antropofágica


capacidade de comer
na carne 
poesia inteira
e, pasmem
gozar
sobrevivente
na cara desta sociedade hipócrita


Lou Vilela

sexta-feira, 23 de março de 2018

Esquecimento

viraremos ausências
rotinas e horas retiradas das gavetas
o ranger das portas, o traçado do vento

viva, toda a sorte de uma casa
vazia e desmemoriada.

Lou Vilela

segunda-feira, 19 de março de 2018

Manas

Clave de sol, ginoclave, ou clave feminina

o cenário é árido
os medos, escaldantes?
_ sororidade

em tese
todas as sedes estão representadas
:
necessário desfazer os nós
das renúncias, da exclusão
da ignorância compulsória
da violência, da posse
do preconceito...

costurar o autoamor
numa clave de sol

Lou Vilela


segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

onde há

onde há espanto, beleza arredia
ser um solfejar de espera e arrepio
o bem, o mal e cercanias
um verso torto, id, fantasia
a protagonista que estala sua língua
em folhas e tetas desgarradas
o líquido que umedece sua bússola  
onde há cancro, veneno, ou quase nada

Lou Vilela

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Esboço

nas manhãs que abrigam passarinhos
as buganvílias esboçam sem mesuras
signos de amores estrelados
constelações de presentes passados
enquanto flor

Lou Vilela

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Rubro



Farpados,
silêncios não coagulam

: lambem minhas pernas
seus rastros.

Lou Vilela


* poema para o 195º Desafio Poético com Imagens - IV Ano, proposto pela querida Tânia Regina Contreiras.
Arte: Kyle Thompson



sexta-feira, 28 de julho de 2017

Coreografia

repara
tudo é tão breve
a saia translúcida começa a ventar
ignora-se raiz

não se cabe tecido gomado
não se sabe atávica

à sombra das copas
respira leveza

Lou Vilela

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Desenho de um poema

amaciar a folha
sentir
ser música aroma
gosto e textura
tocar as possibilidades
no olho do caos

Lou Vilela

terça-feira, 18 de julho de 2017

Porto

cresceu secundária
apesar de primogênita
: tempo e fôlego para mergulhos

é preciso mais do que coragem
para se amar

Lou Vilela

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Pedra de toque

um dia tocar
tão leve, tão tênue
nua linha imaginária
ao sul
poesia
teu ventre

Lou Vilela

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Estações

hei de vestir aquelas cores
: floral, paleta-de-outono
pingo-d'água, arrebatado-verão

entre a chuva e o parapeito
calçar chinelos de nuvens

Lou Vilela

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Garra

na profundidade do nada
soube-se
unhas e dentes

Lou Vilela

terça-feira, 11 de abril de 2017

Percussão

tempo de despertar
romper silêncios
ouvir o som da poesia
meus tambores

Lou Vilela

quinta-feira, 16 de março de 2017

Simbiose II

ora raízes fincadas
ora em mangues - aérea
funde-se desejo e alma

Lou Vilela

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Seiva

sob o amor que pulula
em teu sexo
ser a seiva
escorrer
rubro líquido
existência

Lou Vilela

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Balada para o amor V

não raro enumerava os riscos
caprichos presentes fantasmas
: levava-me a sério
selava-me a boca crestava-me a alma
compunha sobretudo os nossos mistérios

Lou Vilela

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Bacante III


na urgência do desejo
um poema úmido

Lou Vilela

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

rebentação

havia uma tristeza
naqueles olhos de mar

como quem abraça o tempo
resvala
infinitas rotas

subjetivo navegar

Lou Vilela

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Balada para o amor III

tão norte que sou, mas sinto o frio
terra estranha ao meu viver
pulso, silente, aquele jeito
janela, assombro, bem-querer

falo mansinho o seu nome
ouço bem perto o seu doer
cabe em mim – sou reticências
horas contemplo a dizer

acalento passarinho
insisto florescer
há caminhos que ressurgem
tramas de um Ser

luz que fere as entranhas
iluminam um pertencer
palco de espetáculos pluriformes
ranço de espera-arvorecer

Lou Vilela

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Negação

tentou calar suas fraquezas
algo assim, mais humano
o que rejeita e sangra

Lou Vilela

domingo, 11 de dezembro de 2016

fim de tarde

são cortes disformes
imperceptíveis a olho nu
quartos crescentes
pórticos sagrados
conversa íntima
silêncio in blue

Lou Vilela

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Epitáfio II

onde plantei o fruto, regressarei
feito húmus -- alimentar a terra
o que f[l]ui

Lou Vilela

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Entre o ninho e o voo

desde que o ventre explodiu
as horas que foram parecem distantes
de silêncio em silêncio, o peito chove
as mães são sós

Lou Vilela







Foto: ShutterStock

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Balada para o amor IV

o que se ama pudesse
a engrenagem da vida
movimentar

o mundo vibrasse
instantes
factíveis
jogos de encaixar

Lou Vilela

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

quando somos ausência

a casa vazia outrora chamada lar
come em silêncio suas plantas daninhas

hora fugaz quando julgávamos
todos postos à mesa
que a terra era fértil

Lou Vilela

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Propagação

expandir
permitir-se lasso
o encanto a acústica
das conchas entreabertas

Lou Vilela

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Calendário II


Todo mês seria a_gosto, 
pudesse a palavra.

Lou Vilela



* Publicado no livro Agenda da Tribo, ed. 2016/2017.

Frida

que prisão te pariu
coluna-escafandro
tinta febril?

Lou Vilela

*Publicado no Livro Agenda da Tribo, ed. 2016/2017.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Quando o encontro é ainda incerteza

a referência não é a mesma
: o córtex, as águas, os sentidos...
nada mais se ajusta

os buracos pousam tão profundos
de não se alcançar, de surfar encostas 
o que eclode não se [a]firma

Lou Vilela

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Portinari

meninos na gangorra
os nossos do dia a dia
tanto o que aprender

além dos bancos da escola
necessária alegoria
acordes mistos tinindo
expressionismo sem par

tu os coloca no ar
nós os vemos passarinhos

Lou Vilela




* Meninos na Gangorra, de  Portinari  - 1939. Acervo digital ©Projeto Portinari

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Íntimo

é você que sinto
quando me [re]traio

Lou Vilela

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

portal

quando abriu o portal das coisas perdidas
o frio e a navalha de passos indivisíveis
houve o mar e os botões de acender pirilampos
aqueles cobertores de pés silenciosos

Lou Vilela

sábado, 26 de setembro de 2015

poesia completa

para Manoel de Barros

toquei a capa
a beleza das gravuras
as palavras  neotessituras
e foi assim: eu voei
cada infinito um assombro

lou vilela


quando existimos

 Fátima Queiroz

há um hálito azul-presente
em todas as preces

à deriva, corpos tingidos

lou vilela

[Arte: Fátima Queiroz]

terça-feira, 22 de setembro de 2015

havia

havia o toque
a palavra o aceno
a sutileza incabida
um sinal

havia vontade

lou vilela

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

esse todo

gosto
quando vens
quando tocas
do teu modo

quando invades e
e
   s
      c
         o
            r
               r
nu teu peito

quando suo
quando soo
[im]perfeito

lou vilela

terça-feira, 7 de julho de 2015

Bacante

embriaga-te, pois!
eis o enigma:
a vida é breve;
a sede, tamanha.

Lou Vilela


* Um dos poeminhas escolhidos para publicação no Livro da Tribo - edição 2016/2017. Felicidade imensa participar desse projeto que tanto admiro, ao lado de muita gente querida!

sábado, 21 de março de 2015

balada para o amor II

inventa-se
em todo instante
em outros passos
entre  amantes
entre mistérios
em alguns brinquedos
em si em vão

atreve-se
em cadafalso
em algum segredo
entre  abraços
entre seus medos
em muitos credos
em sol em dó

deleita-se
em carne viva
em pesponteio
entre meus lábios
entre seus dedos
em contradança
em mi(m) –- maior

lou vilela

sábado, 14 de março de 2015

Deslizes

aos sábados, escrevia àquela moça
: lupa verde, absinto, um bem querer
mal sabiam rijos dedos calejados
deslizes de aninhar e amanhecer

todavia, empena-se orgulho
por tal magia florescer
chão que arde, sol ferino, reluzente
profunda vontade de chover

Lou Vilela

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Codinome Bouganville

o conflito entre alma e corpo
soubemos: ele não resistirá

como se resistíssemos nós, os não aca[l]mados 
como se não morrêssemos aos poucos 
a cada pílula
de uma vida pretensiosa

Lou Vilela

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Bacante II

ficou aquela sensação
a de sentir na garganta
o travo, a tez, sua ranhura
um último gole–poema
nu[m]a noite sem mesuras

Lou Vilela

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Balada para o amor

começasse assim
um quase
bem querer
e o tempo amalgamasse
nossas vidas

Lou Vilela


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Poema de aproximação

alegra tamanha transparência
daquilo que não cabe e reflete
poesia

alegra o que toca
na passagem do olho
e compõe a alma

a lucidez da língua a força
o signo a porcelana a boca
semiaberta essa flor
que sangra
e fere

Lou Vilela

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Engenho Santana

o pensamento sopra sem medida
feroz, em riste, vento a galopar

assombro, horizonte, seus bichos
: mulheres e homens partidos 
produtos de um outro lugar

sabem-se fome, espanto, sonhos caudalosos
em plácida mina d'água pra refrescar
buscam sinais, toques, sons do campo

nu[m]a terra de se plantar em canto 
vida que se colhe, poesia que não se perde
algo latente que insiste enramar

Lou Vilela

sábado, 31 de janeiro de 2015

Todas as falas

éramos de início todas as falas
até transbordarmos -- essencialmente pele
então fomos mais, lugar inabitado

ouvimos: “o mundo acabará”
fát[u]o, o nosso acabou:
vontade, êxtase, silêncio

Lou Vilela


segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Nua

a lua entre aspas
vagueia pelas ruas
copula acha graça
afronta sem mesuras
mistura toda a raça

Lou Vilela

sábado, 3 de janeiro de 2015

Signos

um céu
cem sentidos
entre nós

Lou Vilela

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Temporais do absurdo II

os deuses agitados de rancor e saliva
surtam, rumo à justiça, selam as mãos
sabem-se trevas

o ciclo não se rompe
a sociedade vai à missa
o Deus emana suas lágrimas 

banha-se, mais uma vez, a criação

Lou Vilela


sábado, 13 de dezembro de 2014

sábado, 1 de novembro de 2014

Adélia

em toda via haverá sacrifício
possível perdão
linhas tênues, limites

os deuses imperfeitos somos nós
consciências blindadas 
a história, o pecado

Deus não segrega!

observa-nos o amor e a caridade

Lou Vilela



sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Mal de são


Que a noite silencie o grito,
refaça o sonho -- túmulos abertos.

Livres, despojados de nós,
sejamos, enfim!

Lou Vilela

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Menino carvoeiro

"Menino Carvoeiro" - Óleo sobre tela 50 x 60 cm - Osmar Bassi


O rosto carvoeiro escondido denuncia espanto;
os dentes, todas as alegrias infantis.

Gigantes, essas mãos desacostumadas
ainda sonham...

Lou Vilela

sábado, 23 de agosto de 2014

Os dias e as cores


amarela a cor que somei
desbota todos os dias

amarela a cor dos sonhos
dos dentes das farpas das fotografias

amarela o jornal quando exala o suor
das mesmas notícias

amarela o tempo, a têmpora muda
o carrasco que [a]trai e destrói

amarela o que não se aprende
o que não pulsa
o que aparentemente gira

Lou Vilela




sábado, 16 de agosto de 2014

Tormenta


conheci teu [a]mar, tua calmaria
teus altos [des]montes,
tua muda estação

tua boca, teus olhos, meus anseios
tua fala, tua foda, nosso óbvio
tesão

cometi o que não deu
abismo in confesso
pra reter

Lou Vilela

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Numa noite sem mesuras

pousava diante do fogo, insistia 
buscava  aquela sensação
sentir na garganta o travo  ranhura
mais um gole-poema

tudo que é belo perpassa – infinito
viola a tez, o silêncio
jorra! entre a razão e o peito

Lou Vilela

sábado, 2 de agosto de 2014

Olhos arrebatados pelo vento

hoje, choro o meu cansaço
exponho a ferrugem dos meus dentes
acendo um cigarro imaginário
posso, desde que integre o tempo

escapa-me a noção de ser-espaço
onde começo, onde termino
onde refaço-me
olhos arrebatados pelo vento

planto a minha aorta em apartamento
cubículos urbanos, somos guetos
estreitos, os corredores vão fechando
funil, filtros d’águas e folguedos

mas, se porventura, souber princípio
decerto toda graça escoará
por entre dedos, os nossos, nalgum lugar
elástico, universal, capitular


Lou Vilela

sábado, 26 de julho de 2014

Memória


lembro-me do azul
da irremediável alegria
da glória dos inocentes

não havia palidez
não havia rasgos 
não, não havia

havia vontades, [des]cobertas
erros, matizes, portais
nas papilas gustativas, o sumo
: sabor inaugural

Lou Vilela

sábado, 19 de julho de 2014

Escambos e frissons


I
Ora sépia, ora giz
a folha concede-se face
escancarada ausência.

II
Em vermelho, a poesia
propósito, latência
um tempo re(n)al.

III
Segue rápido, septado
um corpo ardido, traçado
décor marginal.

IV
Tanto há –- caminhos e passos
(in)oportunas partidas
falanges de aço.

Lou Vilela




quarta-feira, 16 de julho de 2014

Diário de uma notívaga IV

seguir
[não mais postergar]
expandir o silêncio

soerguer na matilha da noite
a paz necessária

Lou Vilela

sábado, 12 de julho de 2014

Germinar

rezava para espantar a ignorância
perguntava-se todo dia:  até onde?

costurava ficções
demarcava suas páginas
arrematava sins, senões
perguntava-se:  até quando?

bebia os mistérios

Lou Vilela

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Cores


As cores seriam inúteis, amada
não houvesse olhos de chuva
renitência, mar bravio.

Tudo o mais de pura inutilidade
não houvesse nós
tecidos rumo ao centro

: redemoinhos.

Lou Vilela

domingo, 6 de julho de 2014

Batismal

dilapidar uma espera
varrer o pó, o esteio
o paradoxo das teias
aveludar a pele

Lou Vilela

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amazona


galope que a ti reporta
um tropel, peito aberto
este corcel tatuado

Lou Vilela

domingo, 29 de junho de 2014

Ossos


Desmembrar alguns versos
Dispor os anéis
Ensaiar múltiplos tons
Comer a carne das horas

Lou Vilela

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Zonas do silêncio

observar o limo
crescer
adornar a pele
incrustar sentidos
ecoar um cântico
de olvido
ser pedra

Lou Vilela

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Enredados



I
Ela traz em sua pele ancestral o teatro, o culto a Dionísio; eu, todas aquelas máscaras amalgamadas. Talvez, tenha sido um guerreiro cantado, recontado, dono de uma desconcertante objetividade. Talvez, nada nobre. Máscaras! Finda que as pendure, demonstre em cena, em cima, quando coros, entoados, formos um só: emoção! Não aquela coisinha insossa, fins de efeito moral – hipócritas! Ser Ilíada e Odisseia, parte umbral! Algo tangível, alternativo, interativo, de cunho social, alcunha desvalida – arte!

II
relógio que acorda
que desperta o passado
apesar de avançada a hora
que se nega
que não quer ir embora
: parados ponteiros
d’outrora

III
alimentava olhos tristes
dentes brancos
um gráfico senoidal
uma rede
um eco
dentro
entro
ntro…

IV
saída de um quadro
de Toulouse-Lautrec
– púrpura!
entre um trago e outro
cruzadas
um cabaré qualquer
Paris.
antes do beijo, do gozo
o ouriçar da pele
algumas chances
partidas
em telas.

V
éramos cactos e flores
sem jardineiras anis
nossos ares, distâncias
até tocarmo-nos naquele instante
capital
: crédito, 3 X
quando seguimos, cada qual
cartões, carteiras e nossos vasos
– paisagens

VI
desaguar
perder-se inteira
forjar-se
pedra, sabão
recomeços

VII
uma xícara trincada
tempo, apego
aquele quadro, esse nada
um eu além
quiçá um mote, sem conserto

VIII
tão querida quanto trêmula
não importava!
naquela idade
bom mesmo era poder quebrar
silêncios
foi assim o nosso encontro

IX
a moça da saia vermelha
nada me dizia
estava ali, impassível, em sua beleza ácida
queria voar
não havia asas
apenas poesia – ponte aérea
entre vãos
e todas aquelas vozes celulares
ar rarefeito unindo
motivos, vidas, saguão

X
as fraturas
e esta sensibilidade exposta, sonar
riem-se dos laços plácidos

XI
havia a história das corujas
vovó dizia: ‘rasgam mortalha’
e eu por um tempo acreditei
que não eram humanas

XII
ajoelhados em torta calmaria
ruminam, sobretudo, vendavais

XIII
como quem posta-se morto
o homem trabalha
volta à casa, come
transa, dorme
não acorda
trabalha…

XIV
Imoral é a hipocrisia que impera entre tantos;
são os dedos quebradiços da ética;
um olhar pseudo espanto [o ciclope em jardim panorâmico].
Imoral somos nós
mal fa(r)dados humanos;
são os monstros assíduos que criamos.
Imoral nossos atos impensados
pútridos paridos do descaso
sepulcros do que podia ser.

Lou Vilela

* Publicados originalmente na revista 'Diversos Afins',  86ª Leva » Janela Poética II.